Ofélia, doida


Eu sou Ofélia. Aquela que o rio não conservou. A mulher com as veias cortadas. Ontem deixei de me matar. Estou só com meus seios, minhas coxas, meu ventre. Rebento os instrumentos do meu cativeiro – a cadeira, a mesa, a cama. Destruo o campo de batalha que foi o meu lar. Escancaro as portas para que o vento possa entrar. Despedaço a janela. Com as mãos sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei e que se serviram de mim na cama, na mesa, na cadeira, no chão. Toco fogo na minha prisão. Atiro minhas roupas no fogo. Exumo do meu peito o relógio que era o meu coração. Vou para a rua, vestida em meu sangue.

Autor – Heiner Muller

(nº 035)

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