Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse
a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de
inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe
puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo
uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu
focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo
preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e
que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e
suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou
não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele
fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai. Aviso também
que não se deve temer seu relinchar: A gente se engana e pensa que é a gente
mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o
excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."
Autora - Clarice Lispector
Interpretação:
Fernanda Ferraz
( nº 014 )
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